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Fortaleza, Ceará, Brazil
Professor Doutor da Universidade Federal do Ceará. Radialista e compositor. Busco entender um pouco dos mistérios da existência. Nessa busca venho encontrando ciência, arte, amigos, novos caminhos, novas possibilidades.

Monday, August 14, 2006

CURRÍCULO: Moderno ou Pós-Moderno? Um olhar pela lente da arte

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Seminário Temático I – Professor Luiz Botelho Albuquerque - PhD
Mestrando – Pedro Rogério


CURRÍCULO:
Moderno ou pós-moderno? Um olhar pela lente da arte.


“O mistério não é uma das possibilidades do
real. O mistério é o que é absolutamente

necessário para que exista o real.”
René Magritte

REAÇÃO À DISCIPLINA[1]

O prazer... a alegria... um portal mágico me transportou para um novo universo...
Angústia? Ah! Bendita angústia advinda “dessa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi” (Renato Russo).
O universo é realmente belo. A existência é realmente bela. O mistério do sentido de saber quem somos. “Sabemos que estamos fazendo parte de algo misterioso e gostaríamos de poder explicar como tudo funciona”.(O Mundo de Sofia. GAARDER, Jostein).
Minha pequenez regozija-se na sabedoria que me causa uma sensação de infinito...
Porque estou aqui? Porque me encontro com uns e me desencontro com outros? Com tantas possibilidades, com tantos caminhos... O que me trouxe até aqui? Porque somos como somos?
Inicialmente sinto-me constrangido em fazer perguntas que para muitos podem parecer absurdas. Mas não para quem mergulhou em um universo através de perguntas que têm justamente esse mesmo teor.
As respostas não são fechadas; ou melhor, as respostas não esgotam outras possibilidades.
Com essas colocações iniciais quero oferecer um texto acadêmico, porém com a esperança de proporcionar uma leitura que busque a água fresca da poesia. E assim inicio apresentando-me:


[2]“Não sou cátedro,
Mas sou veraz
Admirador do insigne
e insólito
que na minha inspiração
aflora
adusto”



EQUILÍBRIO E DESEQUILÍBRIO OU MODERNISMO E PÓS-MODERNISMO

Existe hoje, ainda, no meio acadêmico, uma ampla discussão a respeito do que é Moderno e Pós-Moderno. Suas origens e desenvolvimentos, diferenças e interseções, entre pesquisadores, cientistas, artistas etc. E esse foi um tema recorrente durante a disciplina “Seminário Temático I – Educação, currículo e ensino”.
Ousarei uma muito breve análise através da história da música para expressar minha perspectiva sobre o assunto. Dessa forma me posicionarei para em seguida abordar o tema da minha pesquisa.
Utilizarei como ilustração do pensamento iluminista a música do período clássico
[3] europeu (1750-1810). Esse antecede o romântico (1810-1910) e sucede o barroco (1600-1750).
Essas classificações cronológicas nos causam um problema. Parece que entre um período e outro existe uma linha divisória bem definida. Não obstante, existem interseções. Johann Sebastian Bach (1685-1750), um dos principais representantes - para alguns o principal – da música Barroca é até hoje um dos compositores mais estudados na educação musical. Seus filhos Carl Philipe Emanuel Bach (1714-1788) e Johann Christian Bach (1735-1782) compuseram peças que mais se identificam com o período clássico, influenciando dois dos maiores representantes da música clássica: o austríaco Franz Joseph Haydn
[4] (1732-1809) e Wolfgang Amadeus Mozart[5] (1756-1791) de mesma nacionalidade.

A passagem do barroco para o clássico não se faz abruptamente. Bem antes da década de 1730, já havia sinais de mudanças, de modo que, de fato, o estilo clássico começou a desabrochar nos últimos anos do período barroco.(...) Conquanto Bach continuasse compondo ao estilo contrapontístico do barroco tardio, seus filhos – embora com grande respeito pela música do pai – já preferiam um estilo mais homofônico e leve. (Bennett, 1986:45)

Feitas as devidas considerações quero me ater a uma muito breve análise da música barroca, clássica e romântica.
As peças do período clássico buscam o equilíbrio entre expressividade e forma. A melodia é clara, bem definida, em oposição ao contraponto barroco que entremeava diversas melodias. A polifonia barroca – várias melodias sobrepostas - vai sendo substituída pela homofonia – uma melodia acompanhada por acordes. Tudo é leve e CLARO. A razão se apresenta com toda sua LUZ. É o pensamento iluminista garantindo o domínio da linguagem, ou dizendo ser possível essa garantia.
O alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827) é um compositor que em sua primeira fase se apresenta clássico para em seguida demonstrar toda a força do período romântico. As regras e a rigidez da forma clássica não satisfizeram este compositor. Ele precisava expressar seus conflitos, seus dramas que não cabiam dentro da fôrma da forma clássica.

“Com pouco mais de 30 anos, Beethoven começou a ficar surdo; passou então por uma crise profunda (...) O sofrimento pessoal de Beethoven e sua orgulhosa independência (primeiro grande músico a não ter patrono) fizeram dele o modelo do artista romântico, combinando o uso de formas clássicas com uma nova profundidade de expressão pessoal (...)” (Isaacs e Martins, 1985:38-39).

Onde está Freud? Precisamos urgentemente entender de onde vem todas essas inquietações que a razão – como está posta - não consegue dar conta. Mas para isso precisamos abandonar a razão? Não necessitamos de mais nenhuma ordem? Einstein nos ensinou que o tempo é relativo. O ponteiro do meu relógio descreve uma trajetória em relação a mim, mas, em relação a outro referencial a trajetória muda e, portanto a percepção de tempo também muda
[6].Então devemos abandonar o relógio?
Se a resposta for sim, como podíamos nos reunir todas as quartas-feiras às oito horas da manhã em uma sala da FACED
[7]? Será que daria certo cada um acompanhar sua própria percepção relativa de tempo seguindo também seu estado de espírito e suas afetividades? Percebo que dessa maneira as coisas se tornariam inexeqüíveis. Então podemos concluir que o relógio continua sendo importante para o nosso desenvolvimento, pois necessitamos de referenciais.
Mas e nossos sentimentos, medos, angústias, alegrias, entusiasmos? Onde fica a dimensão afetiva? Como se diz “nem tanto ao mar e nem tanto à terra”. Nos filiamos ao pensamento da professora Maria Nobre Damasceno
[8]: “Na atualidade os pesquisadores vêm buscando ‘uma racionalidade mais ampla e flexível, capaz de dar conta da multiplicidade da realidade social e da diferenciação dos saberes humanos’(Tardif, 1992)”.


PESSOAL DO CEARÁ E EDUCAÇÃO

Mantendo como referencial o pensamento da professora Damasceno, buscaremos entender a relação entre a produção intelectual do movimento artístico dos anos setenta do século XX, que ficou conhecido como “Pessoal do Ceará”, e o(s) currículo(s) escolar(es).
Para melhor compreensão cabe expor um breve histórico do citado movimento e o por quê da relação com a área da Educação e mais especificamente na linha de pesquisa de Currículo.
O Pessoal do Ceará nasceu do encontro de vários estudantes, artistas e intelectuais que se reuniam regularmente no Diretório Acadêmico do Curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará em meados dos anos 60, como nos conta Mary Pimentel Aires: “O foco de irradiação da efervescência cultural em Fortaleza era a Universidade, centro aglutinador de artistas e intelectuais que mostravam uma grande disposição em influenciar, intervir e participar efetivamente do debate sobre as emergentes questões nacionais”. Outro importante ponto de encontro era o Bar do Anísio, que se situava na Av. Beira Mar, até hoje muito lembrado e citado pelos integrantes do movimento artístico aqui em questão.
Dessa movimentação artística, algum tempo depois, encontraram lugar na mídia nacional, músicos, compositores e intérpretes como Raimundo Fagner, Ednardo e Belchior. Porém, existem muitos outros artistas e intelectuais da música, das artes plásticas, do teatro, da literatura, que desempenharam papéis de fundamental importância para a formação da(s) identidade(s) cearense(s) daquela época.

Mil novecentos e setenta e três foi o ano de lançamento do LP (long-play) Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem, que recebeu como sub-título Pessoal do Ceará.

Reunindo canções como Beira-Mar e Terral, de Ednardo, Cavalo Ferro, de Fagner e Ricardo Bezerra, o disco Pessoal do Ceará – Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem, produzido por Walter Silva para a gravadora Continental, em 1972, constituiu-se como marco na incursão dos novos compositores cearenses no mercado fonográfico. (Aires, 2002:202).

Maracatu, rock-country, toada, balada, baião, sonoridades psicodélicas, sertanejas, urbanas e praianas encontram-se harmonicamente lado a lado no citado disco. As poesias descrevem diversos cenários: do litoral ao sertão, passando pela região urbana. Encontra-se o amor, a filosofia, a crítica aos meios de comunicação e à política. A arte cearense conquista o sul maravilha nas vozes de Ednardo, Rodger de Rogério e Tetty.
Ednardo tinha sido aluno de Química da UFC. Rodger de Rogério foi professor de Física da mesma universidade e encontrava-se em São Paulo na qualidade de professor da USP. Tetty, além de uma afinação vocal privilegiada também se dedicou à maternidade de dois filhos com o Rodger; a Daniela Oliveira de Rogério e eu, Pedro Rogério. A casa em que morávamos acolhia boa parte dos cearenses que pela terra da garoa passavam. Antônio Carlos Belchior que primeiro chegou em São Paulo já conhecera Elis Regina que gravou em 1972 Mucuripe - parceria de Belchior com Fagner - e em um dos momentos mais brilhantes de sua extraordinária carreira, em 1976, gravaria, no disco Falso Brilhante, duas músicas do cearense de Coreaú, cidade próxima a Sobral, Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, ambas, letra e música de Belchior.
Na qualidade de um típico aluno dos anos oitenta, percebo que, pelas vias oficiais, o conhecimento produzido pelos intelectuais em questão não chegou às escolas formais. A questão é: “porque?”.
Devemos lembrar que estávamos em pleno regime militar, logo a confecção dos documentos oficiais, inclua-se, portanto, os currículos, estavam sob o controle da ditadura. O conhecimento gerado por artistas, intelectuais e estudantes universitários era o que mais confrontava o pensamento dos poderosos da época. Fazer cessar essa produção não era possível, porém dificultar sua propagação pelas vias oficiais era certamente o mais óbvio.

Talvez a política educacional do regime autoritário seja o mais importante desses fatores internos
[9]. Durante 20 anos ela extirpou metodicamente dos currículos tudo o que tivesse a ver com idéias gerais e com valores humanísticos. Nesse sentido, o que está na origem da “contracultura” é a “incultura” - uma incultura engendrada politicamente. (Rouanet, 1987:125).

Acontece que de um lado tínhamos os militares que utilizavam um discurso racional, fundamentado, em parte, nas idéias iluministas e de outro a oposição que passou a rejeitar de pronto tudo que estivesse relacionado aos militares, inclusive as idéias racionais. Ora, a Educação, na qualidade de instituição, é a maior representante das idéias iluministas e grande parte do grupo antimilitar passou a cultuar um irracionalismo que rejeitava a Escola e, como diz o ditado popular, “ao invés de tirar os carrapatos do boi, para salvá-lo, mata-se o boi”.

Quando a democratização desbloqueou a sociedade civil, criaram-se condições objetivas para a retomada de um processo comunicativo livre, mas faltaram, em parte, as condições subjetivas – a vontade de conduzir racionalmente a argumentação -, pois a razão tinha se identificado com o inimigo deposto. Contaminados pelo irracionalismo, os argumentos se dissociaram da análise objetiva da realidade e passaram a fluir de reações emocionais e da repetição irrefletida de antigos protótipos. (Rouanet, 1987:17)

Esse ambiente criou as melhores condições para a disseminação da cultura de massas. A identidade cultural nacional e as identidades regionais – lembrando da diversidade cultural de um país de dimensões continentais, como o Brasil - se esmaecem progressivamente ao longo da década de 80.


CONCLUSÃO


Por um lado a cultura gerada pelo Estado sob o domínio dos militares atingiu seus objetivos. Mas o que nos traz até aqui? Como chegamos aqui? Por maior que seja a força dominadora ela encontrará uma força contrária gerada pelos dominados que a modificará e deixará sua marca.

Na prática cotidiana a hegemonia nunca realiza apenas a dominação, a imposição. Ela é continuamente recriada, modificada; e é a partir daí que se afirma com todo o vigor o sentido de contra-hegemonia como hegemonia alternativa, que contém elementos reais e persistentes na prática, quer na esfera política quer na cultural, fruto das oposições e lutas travadas no cotidiano dos atores sociais. (Therrien e Damasceno, 2000:15).

Dessa forma acredito que refletir sobre os assuntos aqui expostos alimenta essa força positiva de uma hegemonia alternativa que busca a construção de um mundo melhor. Não quero uma reflexão entregue única e exclusivamente ao subjetivismo, nem tampouco ao seu extremo oposto. Mais uma vez enfatizo a minha filiação a um pensamento racional, porém um novo racionalismo com uma visão mais larga, atenta às armadilhas do poder que se apropria das idéias racionais bem intencionadas e as distorcem ou desviam para fins outros que não o bem maior da coletividade.
Com poesia iniciei esse artigo e com poesia quero concluí-lo, seduzido pelo mistério da existência. Agora com um fragmento da letra da música Flutua Terra de Rodger de Rogério:




Flutua Terra
Flutua no Fluido-Nada
Etérea substância, gerador da Existência
Tudo flutua no Fluido-Nada(...)
(...) Do outro lado da luz
Além do espaço e do tempo
Reside o mistério real
E a realidade somente.
Do lado de cá a luz
Nos mostra apenas uma parte (...)







REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

- AIRES, Mary Pimentel. O Pessoal do Ceará; um movimento geracional em busca de sua identidade cultural e musical. In: CHAVES, Gilmar. Ceará de Corpo e Alma. Rio de Janeiro-RJ. Relume Dumará, 2002.
- BENETT, Roy. Uma breve história da música.Rio de Janeiro – RJ. Jorge Zahar Ed, 1986.
- DAMASCENO, Maria Nobre / THERRIEN, Jaques. Artesãos de um outro ofício: múltiplos saberes e práticas no cotidiano escolar. São Paulo-SP. Annablume, 2000.
- GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: o romance da história da filosofia; tradução João Azenha Jr. São Paulo – SP. Companhia das Letras, 1995.
- ISAACS, Alan e MARTIN, Elisabeth. Dicionário de música.Rio de Janeiro – RJ. Zahar Editores, 1985.
- MARTINS, Floriano. Alberto Nepomuceno. Fortaleza-CE. Ed. Demócrito Rocha, 2000.
- ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo-SP: Cia das Letras, 1987.

[1] Esse artigo conclui a disciplina Seminário Temático I: Educação, currículo e ensino – 2004.2. Após a leitura de algum texto, livro ou filme, nosso mentor (Professor Dr. Luiz Botelho Albuquerque) nos perguntava qual tinha sido nossa reação ao material estudado. Como sempre sentia um friozinho na barriga, como estou sentindo ao iniciar a composição deste artigo, escolhi esse título para trazer à lembrança esses momentos ímpares de crescimento. (um friozinho nunca é igual ao outro).

[2] Escrevi essa poesia na adolescência, inspirado em alguns artigos do então Presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde (Belarmino Maria A. Augusto de A.), professor, jornalista, cronista, ensaísta e orador, nasceu em Caruaru, PE, em 25 de setembro de 1898, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de setembro de 1993. Eleito em 9 de agosto de 1951 para a Cadeira nº. 8, sucedendo a Oliveira Viana, foi recebido em 14 de novembro de 1951, pelo Acadêmico Múcio Leão. Quando escrevo “Não sou cátedro” refiro-me especialmente à minha condição frente à erudição do então Presidente. É como se eu estivesse de volta à minha puberdade, sentindo que algo de significativo ocorreu comigo.
[3] Fomos acostumados a utilizar a expressão música clássica para designar a música erudita como um todo em oposição à música popular. Existe um duplo engano: 1o música clássica é um período da música erudita e 2o música popular e música clássica não são “opostas”. No primeiro caso o engano não causa maiores problemas, pois podemos entender que, como a língua é viva, a expressão “música clássica” ganhou uma nova acepção. Porém no segundo caso devemos estar atentos para não criarmos “ingenuamente” uma hierarquia entre o popular e o erudito.
[4] “Haydn escreveu mais de 100 sinfonias, quase 80 quartetos para cordas, mais de 50 sonatas e 31 trios para piano; em todas essas composições, desenvolveu as formas e os estilos clássicos, ficando conhecido como ‘o pai da sinfonia’” (Dicionário de Música Zahar).
[5] “Mozart foi mestre em quase todos os gêneros; sua produção febril resultou menos em inovações formais do que na criação de sucessivas obras-primas que consolidaram o estilo clássico de composição (...)” (Dicionário de Música Zahar).
[6] Devo me desculpar com os físicos por uma ilustração tão limitada. Mas para a explicação que necessitamos, essa, mesmo sendo limitada, me parece ser satisfatória.
[7] FACED – Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC.
[8] Professora da FACED e membro do Grupo de Pesquisa “Saber e Prática Social do Educador” registrado no CNPq.
[9] Rouanet refere-se a fatores que fizeram nascer um novo irracionalismo no Brasil.